"Olha, eu estou te
escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta,
mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o
começo, um pouco
por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque
todos me dizem que sou demais precipitado,
que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é
exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta
as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não
achei que ia conseguir dizer, quero dizer, dizer tudo aquilo que escondo desde
a primeira vez que vi você, não me lembro quando, não me lembro onde. Hoje
havia calma, entende? Eu acho que as coisas que ficam fora da gente, essas
coisas como o tempo e o lugar, essas coisas influem muito no que a gente vai
dizer, entende? Pois por fora, hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa
chuva e esse frio parecem que empurram a gente mais pra dentro da gente mesmo,
então as pessoas ficam mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas. Hoje eu
estava assim: mais lento, mais verdadeiro, mais bonito até. Hoje eu diria
qualquer coisa se você telefonasse. Por dentro também eu estava preparado para
dizer, um pouco porque eu não agüento mais ficar
esperando toda hora você telefonar ou aparecer, e
quando você telefona ou aparece com aquelas maçãs eu preciso me cuidar para não
assustar você e quando você me pergunta como estou, mordo devagar uma das maçãs
que você me traz e cuido meus olhos para não me traírem e não te assustarem e
não ficarem querendo entrar demais dentro dos teus olhos, então eu cuido
devagar tudo o que digo e todo movimento, porque eu quero que você venha outras vezes. (...) A
cada dia viver me esmaga com mais força."
(Caio F.)
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